Sou um privilegiado. Moro e mantenho minha empresa e atelier dentro da última reserva de Mata Atlântica da Grande Belo Horizonte. Esta floresta estendia-se do Rio Grande do Sul até o Ceará, passando por estados interiores como Minas Gerais e pouco a pouco veio abaixo pela exploração iniciada pelos portugueses que derrubaram o pau Brasil desde 1501 até o século XIX para exportá-lo como fonte de corante vermelho. Hoje a mais longa floresta brasileira está resumida a manchas que perfazem 12% da original, e pela ação do homem, esta magnífica floresta continua diminuindo.

Sustentabilidade e resiliência

Nas florestas nativas a vida é um espetáculo de beleza, agilidade e resistência regido pelo equilíbrio das relações entre espécies. Se deixado em paz, este sistema é sustentável e tudo contribui para o ciclo vital. Não sabemos fazer isso direito. 

Com a água, solo e ar sadios não há perdas e tudo é aproveitado como fonte de energia e material para processar inúmeras sínteses. Tudo que morre volta à terra e à cadeia do sistema. Uma árvore cai e o espaço vazio é ocupado rapidamente por plantas menores que aguardavam abrir uma clareira para também usufruir da luz que antes era utilizada pela grande árvore dominante. Aqui vence o mais rápido e melhor adaptado ao meio e nem sempre o maior e mais forte ganha o jogo. Os pássaros de hoje são um redesign dos dinossauros no passado. O tubarão, baleias, arraias e muitos outros seres aquáticos são verdadeiras obras primas do design natural aperfeiçoado por milhões de anos. Algas, fungos, microorganismos e algumas plantas resistentes como as samambaias, o jaborandi, as coníferas e demais plantas que ainda não davam flores permanecem com seu desenho forte e simples pouco alterado até hoje.

Concorrência na nova economia

Além das alterações ambientais, estranhos que entram no habitat são grandes fomentadores de mudanças, principalmente porque agem sob princípios diferentes do habitante original. Inovam porque atuam de forma mais simples e eficiente, gastando menos, agindo mais rápido e dirigidos para um objetivo claro. Isso ocorre agora com este novo coronavirus e também nas relações sociais e econômicas amparadas nas tecnologias digitais. Nessas relações, concorrentes reais são aqueles que trazem um produto melhor que o nosso, com resultados e eficiência maiores, ou trazem um arranjo de design que rompe a nossa normalidade. Na realidade de hoje, em que o tempo de vida dos produtos é cada vez menor, a concorrência mais forte deve vir de nós mesmos. Não podemos esperar que surja alguém melhor que nós, e se surgir, seremos extintos, dentro da mesma dinâmica do mundo natural.  Outra opção poderosa é a simbiose que podemos estabelecer com concorrentes e parceiros.

Arranjos colaborativos e simbióticos

A revolução digital, incluindo a estamparia têxtil é um desses elementos estranhos que evoluiu por meio de colaboração e simbiose. O sistema de impressão digital jato de tinta como um todo agrega milhares de contribuições científicas e centenas de disciplinas atrás de cada ponto de conexão. As estruturas digitais, a internet e seus aplicativos não existiriam sem essa conjunção colaborativa e nem seria possível realizar uma estampa fora da serigrafia sem a organização sistêmica-tecnológica do design de software e hardware, controle eletrônico, mecatrônica, criação e técnica, química, engenharia industrial, venda e logística. Também, a estamparia de ontem e de hoje não seria o que é sem as dicas da natureza:

1-           Os corantes e pigmentos modernos que usamos para desenhar, pintar, tingir e imprimir são interpretações químicas dos colorantes naturais e da compreensão científica de matérias primas oriundas de plantas, minerais, organismos vivos e do petróleo. O pau Brasil não foi extinto por portugueses e piratas porque corantes sintéticos foram desenvolvidos no século XIX.  Até hoje corantes naturais mantém um papel fundamental na coloração de alimentos, reagentes químicos, tingimentos e impressão têxtil com maior grau de sustentabilidade.

2-           Toda composição com água é regida pelo caráter de pH ácido, alcalino ou neutro que equilibra as relações entre diversos tipos de corantes com as resinas e auxiliares químicos aniônicos, catiônicos, não iônicos ou anfotéricos. O índice de pH correto mantém a viscosidade e a estabilidade geral das tintas dentro das embalagens, na impressão e no resultado de cor e solidez.

3-           Em geral, sais minerais e óxidos ionizados prejudicam as cabeças de impressão jato de tinta. Na natureza e na indústria de pigmentos a troca de cargas positivas e negativas oxidam metais e geram cores.

4-           Muitas receitas de tintas digitais comportam auxiliares como a lignina, o adesivo, ou “cimento”, que dá resistência ao corpo lenhoso das árvores. Nas tintas a lignina pode atuar como auxiliar de dispersão de alguns corantes.

5-           Mais de 80% das estampas de tecidos em geral é inspirado em figuras da natureza.

Olhar o mundo com mais abertura

Acredito na sociologia ambiental e na sua proposta de olhar o mundo e seus acontecimentos com visão ampliada.  Apesar de ajuizarmos os fatos da vida, não há nada que possa ser isolado por um dos adjetivos bom ou ruim. Tudo está sistemicamente conectado ao potencial duplo de melhorar ou piorar o estado das coisas.

Esta última pandemia de coronavirus tem nos ensinado muita coisa, inclusive a voltar nossa atenção para os princípios da natureza  – produção limpa, conservação e gestão dos recursos naturais, interdependência da cadeia de valor.  Também tem lembrado a rapidez com que as coisas podem mudar da noite para o dia. 

Provavelmente os eventos recentes levem as pessoas à uma maior valorização de uma vida mais natural, ao contato com a terra, a uma alimentação mais saudável, roupas mais duráveis e fabricadas com processos mais limpos.