Com a implementação da lei 14.223/2006, a lei Cidade Limpa, os anúncios publicitários em espaços privados foram proibidos e a área e altura dos anúncios indicativos também sofreram grande impacto. Para alguns, tal legislação serviu de plataforma para que o prefeito da ocasião pudesse alçar grandes voos políticos. Para outros havia o interesse do capital estrangeiro em entrar nos espaços publicitários da cidade e os “outdoors” não deixariam a “conta fechar” (pois atrapalhariam a venda de um painel menor — do mobiliário urbano — em detrimento de painéis grandes como o outdoor).

De fato, sabemos que existia muita publicidade nas ruas e o argumento da impossibilidade da fiscalização somado aos diversos interesses podem ter colaborado para que a maior cidade do hemisfério sul, com população e PIB superior a muitos países, tivesse a tradicional publicidade proibida.

Um outro elemento que venho estudando e compreendo que pode ser o elo para explicar todos os fatos compreende a ideia de que os grupos que influenciaram e influenciam a gestão da paisagem[1] é o comportamento conservador. Como assim?! Como a ideia de conservadorismo pode ter relação com os ditames da gestão da publicidade???

Mesmo sem me aprofundar aqui, gostaria de comentar que importantes cientistas sociais contemporâneos, especialmente o sociólogo Jessé Souza, vêm discutindo com profundidade o quanto o comportamento conservador ajuda a explicar nossa história, nossos comportamentos e os sistemas aos quais fazemos parte: de comunicação e das leis, por exemplo.

Assim, a desorganização da publicidade pode ter sido um fato importante para o resgate “da paisagem onírica da cidade” da arquitetura escondida. E de fato foi, não é ironia. Muitas fachadas de alumínio ou material semelhante cobriam, sim, muitas e muitas fachadas da cidade. Contudo, São Paulo foi derrubada e reconfigurada diversas vezes.

Da Villa de São Paulo do Piratininga temos hoje apenas um ou outro edifício — de uso religioso ou cultural geralmente — que guardam a estrutura da taipa de pilão, o mesmo para as cidades e arruamentos da época do Império. Nem a toponímia (o nome dos lugares) se salvou: a “Rua do Príncipe” sumiu no centrão de Sampa.

Depois veio a cidade dos Barões do Café e dos imigrantes que também foram suprimidas pelos edifícios arranha-céu que, pouco a pouco, foram trocando os estilos arquitetônicos europeus pelo traço retilíneo. Ou seja, sobrou pouca coisa para ser preservada e essa arquitetura estava escondida. Ocorre que essa lógica se aplica – muito adequadamente – para um conjunto mínimo de edificações que devem ser conservadas.

Por outro lado, a cidade é muito grande, grande não: gigante! Descontando o espaço rural (sim, existe!), estamos falando de uma área de aproximadamente 1300Km², o que é superior a dezenas de territórios internacionais tais como Hong Kong e São Tomé e Princípe. E, dessa forma, quando pensamos em políticas públicas é sempre mais complicado pensar algo que transcenda o centro histórico da cidade e adjacências.

Decorrente do processo pirotécnico da implementação da Lei Cidade Limpa, a licitação para mobiliário urbano com publicidade em São Paulo trouxe cifras exponenciais na concorrência pública e sim, trouxe equipamentos de proteção a quem espera o “busão” em quase todos os rincões da cidade. É uma política pública de interesse social que auxilia a população que, em sua maioria, nem sabe que existiu uma licitação. Ela também substituiu empresários tradicionais e criou novos grupos comerciais. Certamente tirou muitos empregos e despencou o share da mídia exterior. Existem estudos que dão conta de que a cidade de SP respondia por certa de 20% do faturamento nacional e gerava aproximadamente 10 mil empregos diretos e indiretos[2].

Essa restrição foi tão impactante que acabou por mudar o nome do meio. Juro! Isso aconteceu e você que tem menos do que trinta anos talvez não saiba que OOH (out-of-home) é um termo que serve para dar conta tanto da mídia exterior convencional no espaço público[3] com engenhos tipo: outdoor, painéis front-light, empena-cega e topo de prédio como àqueles em espaços privados que ganharam atenção dos empresários órfãos de São Paulo que buscaram shoppings, redes comerciais e afins para dar vazão aos investimentos de mídia exterior que galgavam nas agências de publicidade.

Assim, o empresário de mídia exterior que atuava em São Paulo precisou realocar sua atenção para outras praças, especialmente aos municípios da RMSP, bem como incorporar um novo tipo de atividade parecida com a mídia das ruas: a mídia em espaços internos, privados. O profissional de mídia exterior ofertava a veiculação de um painel na Rod. Pres. Dutra em Guarulhos/SP e, depois, a publicidade em porta de elevador no Shopping Iguatemi na Av. Faria Lima. No shopping não é exterior! Ou seja, o que elas têm em comum é o caráter de estarem fora da casa e, mais uma vez, depois do “outdoor” na década de 1970 temos o “out-of-home”: Fora de casa!!!

Para finalizar, todo esse contexto criou também uma nova categoria de anúncios indicativos: os “não-anúncios”[4]. Sim, absurdo, né!? Funciona assim, grandes redes comerciais, especialmente a de farmácias, precisam de uma excelente identificação para conseguirem “avisar ao cliente que estão ali”!!!! Dessa forma como no Art. 12 da lei temos que:

Para os efeitos desta lei, considera-se, para a utilização da paisagem urbana, todos os anúncios, desde que visíveis do logradouro público em movimento ou não, instalados em: (…) § 2º. No caso de se encontrar afixado em espaço interno de qualquer edificação, o anúncio será considerado visível quando localizado até 1,00m (um metro) de qualquer abertura ou vedo transparente que se comunique diretamente com o exterior.

Os anúncios com 1,01m para dentro do imóvel com vedo transparente não são considerados anúncios. Assim, temos em São Paulo a peculiar popularização da construção das fachadas para servirem de vedo transparente para os “não-anúncios”. Já que gostamos tanto do neologismo, especialmente com termos em inglês, eu proponho um termo para essa nova categoria de anúncios indicativos: “chastity belt advertising”, ou seja, uma espécie de cinto de castidade para anúncios em que a figura da lei seria o cinto, o impedimento; a castidade seria a ideia de limpeza, pureza, do território idílico, a conservação da paisagem. Mesmo que o engenho seja visto da rua, o poder público diz na lei que ele não é visto e como as empresas precisam de visibilidade, de comunicação visual, elas que criem maneiras para resolver o problema e isso vai parar nesta nova arquitetura, à fórceps! E, por fim: a publicidade, a publicidade todos sabem bem o que é, especialmente quando a demanda é notoriedade comercial ou política.

Para não concluir: a figura de linguagem utilizada é tão antiquada quanto a realidade que se impõe.

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*Todas as fotos acima são propriedade do autor e foram tiradas entre 2018 e 2022.

Sergio Rizo é Geógrafo, Professor Doutor e Diretor da RS Projetos e da RS Educação. É pesquisador sobre temas ligados à dinâmica da Publicidade e às formas de expressão sociocultural no espaço urbano. Instagram: @midiageografica / Linkedin: Sergio Rizo / Mais informações e publicações: https://about.me/sergiorizo

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[1] eu preferiria dizer a gestão da configuração territorial pois paisagem não está exatamente no campo pragmático.

[2] Confesso que existe aqui uma pequena dificuldade em determinar quantos seriam empregados das empresas de mídia exterior e quantos seriam das empresas que fabricam painéis indicativos.

[3] Onde se permite, naturalmente.

[4] Termo que eu inventei para dar conta em anúncios que se comportam como anúncio, mas não são entendidos como tal perante a legislação. Foi inspirado no conceito de “não-lugar” trabalhado pela geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos.